sexta-feira, 4 de maio de 2012

Mãe

Quando Eu For Pequeno.
Quando eu for pequeno, mãe, quero ouvir de novo a tua voz na campânula de som dos meus dias inquietos, apressados, fustigados pelo medo. Subirás comigo as ruas íngremes com a certeza dócil de que só o empedrado e o cansaço da subida me entregarão ao sossego do sono. Quando eu for pequeno, mãe, os teus olhos voltarão a ver nem que seja o fio do destino desenhado por uma estrela cadente no cetim azul das tardes sobre a baía dos veleiros imaginados. Quando eu for pequeno, mãe, nenhum de nós falará da morte, a não ser para confirmarmos que ela só vem quando a chamamos e que os animais fazem um círculo para sabermos de antemão que vai chegar. Quando eu for pequeno, mãe, trarei as papoilas e os búzios para a tua mesa de tricotar encontros, e então ficaremos debaixo de um alpendre a ouvir uma banda a tocar enquanto o pai ao longe nos acena, lenço branco na mão com as iniciais bordadas, anunciando que vai voltar porque eu sou pequeno e a orfandade até nos olhos deixa marcas. José Jorge Letria, in "O Livro Branco da Melancolia"

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